23.7.16

Há palavras que não têm nome

As bocas audazes vão tecendo julgamentos enlameados que nada dizem senão amargura. Cifram-se os suplícios interiores, que em fluxos violentos e intermináveis nos cospem na cara as entranhas negras e viscosas de quem sempre deixou muito por dizer. Ou de quem muito disse, mas nunca foi escutado. 
Como sujidade acumulada, ao longo dos anos, na parede de uma casa-de-banho qualquer, gruda-se nas peles dos que ali são massacrados. Inevitavelmente se tolera a agonia de cada estalo que a matéria teima em consagrar. A fuga é única e limitada. Dói mais do que aguardar pelo tão desejado final provisório, este que trará alguma paz a dois corpos desfeitos, exaustos por uma ação reforçada pela passagem inexorável do tempo. 
Dir-se-ia que o tempo não joga a favor dos fracos; mas os fracos que vão sendo apanhados nesta teia caótica de intuição ilusória de nada mais precisam que não seja o tempo. As horas e os dias que removem, com cautela e atenção, tudo o que neles permaneceu: que lhes cobre a pele e os mais estreitos fios de cabelo; o que os impede de respirar como antes o faziam; o que lhes atrapalha a visão e a clareza da mente. 
Querem voltar a ver-se ao espelho, sem que o ato lhes traga recordações de um passado recheado das palavras que não têm nome. Atiradas ao ar por entre respirações ofegantes e olhares intensos, são apagadas do que outrora lhes marcava a face e o território. 
Entretanto, por debaixo, a massa obscura cobre-lhes os ossos e reveste-lhes os tecidos mais profundos, até que tudo se torne num só. Agora, faz parte deles. Concretiza o ciclo do despeito, do medo, da implacável vivência atormentada de dois seres que se reconhecem pelo que difundiram entre si nos momentos de fraqueza.
É que o tempo, ao contrário das palavras, ainda não os alcançou.